25 de nov. de 2016

Incabível

    Eu não sinto que poderia jamais dizer tudo o que precisa ser dito. Não apenas por não haver tempo hábil, mas também por parecerem as próprias palavras insuficientes diante do insondável. Não há sequer disposição, nem de quem diz, muito menos de quem ouve. Quem gastará valiosos minutos a desafiar a imensidão com perguntas sem respostas? Quem é desocupado e atrevido o suficiente para afastar o cotidiano automático e analisar a escuridão com uma lupa?
     A vida talvez seja mesmo muito curta. Ainda assim, quantas páginas já não foram preenchidas? Preenchidas uma atrás da outra, no punho e na tinta, por gente de uma outra época — uma na qual não havia tecnologia para otimizar nosso tempo, e talvez exatamente por isso também não houvesse tanta cobrança. Vinte e quatro horas eram mais que vinte e quatro horas, mesmo marcadas muitas vezes pelo sol, alheio às vontades humanas; mesmo com a certeza da morte muito mais próxima e inadiável, com tantas cóleras divinas e anos tão curtos. E com isso tudo não desejo expressar saudosismo, nostalgia a um tempo que sequer vivi, e que em outros aspectos era certamente muito mais asqueroso que o segundo milênio; digo apenas que a hipermodernidade vem com um preço. Eis que, mesmo com informações inesgotáveis à ponta de meus dedos, ainda me perco no vazio. Ainda me reluto, tentando reunir toda a energia e disposição de meus músculos mentais mal treinados para ao menos servir de receptáculo para os tesouros intelectuais de riqueza inestimável já produzidos na humanidade, e cada vez fico mais seguro de que é impossível. E de solapo me sobrevém a sede insaciável de contribuir com o pouco que tenho, e que no entanto me parece muito mais do que serei capaz de mostrar, de estruturar, de registrar. Tudo pode ser enterrado comigo em minha cova, e embora ter ciência disso não me cause tristeza, me desperta um senso de absoluto desperdício.
    É por isso que sigo conversando sozinho, na rua e no papel, na tentativa desesperada de viver. Falo para uma plateia vazia e incerta e imagino nela outras almas, tão perdidas quanto a minha, mas que com sorte podem sentir minha companhia à distância, pois eu certamento sinto a de vocês. A escrita é um abrigo existencial, um templo abstrato que não nos deixa cair no abismo da concretude mórbida, estúpida, dessensibilizante. É um exercício constante do autoconhecimento, do reconhecimento, da empatia como forma mais básica de compreensão da realidade. É esculpir a sua subjetividade e deixá-la ser escupida pelas almas que te tocam. É não se deixar afogar pelo oceano sobre nossas cabeças, expelindo a cada palavra um pouco da água que nos invade.