5 de out. de 2016

Silêncio


     Não escutamos. Nossa voz é silenciada por nossos próprios monólogos coletivos, indiferentes ao que o outro tem a dizer. Não nos olhamos nos olhos; cada um espera que a pessoa do outro lado da conversa seja uma plateia sedada, interessada na trama da nossa síndrome de protagonismo. Tudo em vão: palavras que desaguam no esgoto da existência, cúmplices da nossa desatenção. O único e verdadeiro espectador não é capaz de se manter atento, pois está ocupado demais atuando para um auditório vazio. Não escutamos: nem uns aos outros, nem a nós mesmos.
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2 de out. de 2016

Aborto espontâneo

    O papel em branco me encara com deboche. Há não mais que um segundo as ideias tumultuavam-se exasperadas, não tanto por animação mas quase por necessidade de vir ao mundo, de sair do novelo de lã e cada uma delas reivindicar sua própria realidade. Elas me atormentaram como quinze crianças ansiosas presas numa longa viagem de carro, e quando finalmente abri as portas, recusaram-se a sair. Olho, confuso e frustrado, e elas já não estão mais lá. Dissolveram-se nas possibilidades. Ainda consigo sentir o cheiro daquelas dezenas de ideias que agora pairam no ar, mas nenhuma delas parece ter solidez o suficiente para migrar para a existência; e eu, bem, coitado de mim, que sinto jamais ter tempo para juntar os cacos etéreos de pensamentos fadados ao fracasso prévio. Olho para o tudo — e o nada me olha de volta, fazendo com que eu me sinta ridículo, tendo as mãos atadas pela minha própria liberdade.
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